Rafael Rossi (*)
A Copa do Mundo 2010 foi a Copa das zebras. Apesar disso, no fim, nenhuma grande surpresa: nem a disciplina, nem a habilidade e o talento fizeram alguma diferença nesse Mundial. Terminadas as quartas de final, o mesmo velho futebol europeu retoma sua hegemonia e uma Alemanha, melhor que a de outros tempos é verdade, mas ainda assim o futebol alemão da tática e da técnica sem nada de verdadeiramente extraordinário. A Copa do Mundo segue sem Messi e Robinho para dar brilho há uma competição que já faz muito tempo que é dominada pelos interesses do mercado.
É triste ainda ver a derrota da equipe de Dunga e ter que ouvir a Globo dizendo triunfante: “Nós avisamos!”. A Rede Globo torceu o tempo todo contra a seleção e isso porque não podia controlá-la. Essa não foi uma seleção marcada pelo futebol bonito, pelo futebol arte. Mas também não era a seleção tetracampeã de Parreira, nem a pentacampeã de Felipe Scolari. Dunga, como técnico da seleção brasileira, ganhou a Copa América, a Copa das Confederações, o primeiro lugar nas Eliminatórias da Copa do Mundo, o bronze olímpico e chegou com a seleção até as quartas de final da Copa do Mundo, assim como a poderosa Argentina de Maradona e Messi. Então, por que críticas tão contundentes a Dunga? Porque foi ele que ainda como capitão da seleção brasileira não concordava com a interferência de grandes empresas como a NIKE. Basta lembrar que diante da convulsão de Ronaldinho Fenômeno e da escalação de Edmundo em seu lugar, ele defendeu que Edmundo jogasse, quando Zagallo teve que voltar atrás e escalar o Ronaldinho, mesmo sem condições, porque ele era o garoto-propaganda da NIKE. Como técnico, Dunga se enfrentou com a Rede Globo que quer escalar o time, o técnico, ter entrevista exclusiva, ou seja, mandar na seleção. E quando não consegue o que quer, esta emissora, antiga aliada da ditadura militar, boicota e forma a opinião pública, manipulando a informação e usando da repetição, colocando em todos os seus programas, tenham ou não a ver com aquele tema, aquele assunto, a mesma mensagem. O atual técnico do Brasil também barrou os jogadores mercenários, que só jogam pelos seus clubes na Europa, ganhando milhões de dólares, e só vão para a Copa do Mundo para exibir o seu talento e valorizar o seu passe. Em tempos em que o mercado e sua lógica dominam também o mundo do esporte, exigir comprometimento, amor à camisa, espírito de equipe não é secundário. Todos os jogadores, que jogando bem ou mal, inegavelmente, lutaram até o fim no jogo contra a Holanda, disseram a mesma coisa, que estavam todos tristes no vestiário, o que é muito bom, pois evidencia que estava a equipe inteira disposta a vencer realmente. E isto deve ser ressaltado.
Então, por que, apesar disso tudo, tanta comoção entre os brasileiros. Simples: porque tudo que nós temos é o futebol. Nós vivemos num país miserável, onde poucos têm muito e a grande maioria se vira como pode. Um salário-mínimo de miséria de pouco mais de 500 reais e uma Bolsa-Família que não garante uma vida digna aos milhões de brasileiros que vivem na mais absoluta miséria, porque não têm moradia, emprego, saúde, educação e um salário que garanta a sobrevivência e muito menos o acesso a bens culturais e lazer, são a triste realidade dos brasileiros. No esporte não é diferente. O Brasil não é o país do esporte, é o país do futebol. Tanto que quando tem Olimpíada é sempre um fiasco. Voltamos para casa com meia dúzia de medalhas de bronze e uma ou outra de prata e ouro. Não existe investimento do Estado no esporte. Então, tudo que temos é o futebol. E o brasileiro deposita todas as suas esperanças, projeta todas as suas expectativas no sonho de ser campeão mundial de futebol para dizer ao mundo: “Nisso nós somos melhores que vocês! Nossos políticos são corruptos, nossas escolas não têm professores, nossos hospitais e postos de saúde não têm médicos e remédios e nós morremos nas filas dos hospitais públicos, nós vendemos soja, carne e suco de laranja no mercado mundial e importamos os seus computadores, mas somos os melhores com a bola no pé!”. É triste. E a mídia manipula e faz do nosso futebol, motivo de grande orgulho, um verdadeiro “pão e circo”. Toda quarta e domingo tem futebol na telinha da Rede Globo, logo depois da novela e durante o Domingão do Faustão e ficamos parados diante da TV, ouvindo o Galvão Bueno e esperando que o próximo gol possa nos redimir do nosso destino de fracassos e frustrações.
Voltando ao Mundial da África do Sul, podemos desligar sem culpa os nossos televisores. Nenhum time da África, pela primeira vez sede de uma Copa do Mundo de Futebol, continua na competição, nem o país sede – a África do Sul -, nem as tradicionais Nigéria e Camarões, nem a heróica Gana, que chegou até as quartas de final. O Brasil, único país pentacampeão, foi para casa; a Itália, campeã da última Copa, foi para casa logo na primeira fase; e a Argentina, a melhor seleção dessa Copa, com os mais belos dribles, que só somava vitórias até tropeçar na Alemanha, que na primeira fase fez um jogo treino com a Austrália e perdeu de 1 a 0 para a Sérvia, também o time de Maradona foi para casa. O mesmo Maradona que jogou na mesma época que Zico e que continuou até a época de Romário e Roberto Baggio, sendo o melhor dentre todos eles, e que tinha o melhor jogador da Copa em sua equipe – Messi – que encantava com seus dribles e passes maravilhosos. Depois desse final de semana, podemos esquecer a Copa do Mundo. Ignoremos os comentários ridículos da Globo sobre a convocação de Dunga, que não levou Ronaldinho Gaúcho e os meninos do Santos, sendo que, em 2002, o Felipão barrou o Romário, um craque de verdade, e não sofreu tantas críticas assim, sendo de fato o determinante a relação que os treinadores estabelecem com a mídia e com as grandes empresas. Ignoremos a melhor seleção da Alemanha dos últimos tempos, a Espanha, a favorita que chegou até a semifinal aos trancos e barrancos, o Uruguai que é o América das seleções: já foi um grande time no passado, tem tradição, tem história, mas já não joga bola e disputa campeonato de verdade há muito tempo (com todo o respeito à Celeste). E a Holanda, a Laranja Mecânica? Bom, provavelmente, vai perder na semifinal ou na final, não importa. Pode ser até uma seleção tradicional e que joga bem, mas não promete grandes emoções, nada que poderíamos ter dos pés de Messi e Robinho. Mas nada disso deve ser motivo de surpresa, afinal, a zebra é um animal da fauna africana.
Rafael Rossi, professor de História de nossa escola e mestrando em História pela UFF